A pós-pandemia e seus reflexos no direito do consumidor

Autores

Cristina Pasqual (organizadora)

Sinopse

Os anos de 2020 e 2021 ficarão marcados para toda a humanidade. Foram anos de muita angústia e preocupação. Anos em que o medo da doença e da perda de vidas fez com que muitos ficassem reclusos, afastados não só de seus afetos, do convívio social tão necessário e, em muitos casos, afastado de suas atividades profissionais.

No Brasil a situação não foi diferente. Muitas perdas e uma repercussão negativa à economia inquestionável, o que fez com que o Governo federal adotasse medidas para auxílio da população, assim como buscasse outras medidas para evitar a quebra de empresas prestadoras de serviços de grande valia à sociedade.

No âmbito do consumo, como seria de esperar, houve uma retração em diversos setores, seja por aspectos puramente econômicos, ou como consequência de medidas impostas pelo Poder Público, mas ao mesmo tempo, alguns setores, como exemplificativamente, o da venda online, se desenvolveram intensamente.

Na esfera jurídica facilmente identificou-se uma proliferação de Medidas Provisórias, Decretos e legislações ordinárias no intuito de salvaguardar interesses dos mais variados setores da sociedade, surgindo na esfera do Direito do Consumidor algumas leis que trouxeram repercussões importantes ao interesse dos consumidores.

Foi identificando esta realidade que o grupo de pesquisa A Proteção do Consumidor como Direito Fundamental, vinculado ao Programa de Mestrado da Fundação Escola Superior do Ministério Público, por mim coordenado, dedicou o ano de 2021 à análise das novas leis que trouxeram importantes mudanças à tutela do consumidor no Brasil, assim como das novas discussões travadas no âmbito dos Tribunais nacionais.

Das pesquisas realizadas pelos participantes do grupo, resultaram trabalhos muito interessantes, os quais trouxeram em evidência as principais mudanças que a pandemia acabou gerando ao Direito do Consumidor. Os textos nesta obra contidos demonstram claramente as repercussões positivas e negativas dos efeitos econômicos da COVID-19 na proteção do vulnerável no mercado de consumo.

Como resultado de todo o trabalho apresento hoje este ebook o qual tenho a honra de coordenar. São trabalhos de dedicados pesquisadores que durante todo o ano de 2021 desenvolveram temas muito interessantes.

A obra tem como trabalho de abertura o excelente ensaio desenvolvido pela professora da Universidade de Coimbra – Portugal, Professora Doutora Mafalda Miranda Barbosa. A professora colaborou na pesquisa do grupo com uma palestra a qual transformou no artigo aqui publicado. Desenvolve a Doutora Mafalda um tema de relevância mundial, dissertando sobre a exclusão e limitação da responsabilidade nos contratos firmados com as farmacêuticas fornecedoras das vacinas contra a covid-19, trazendo à tona importantes reflexões quanto a proteção do consumidor perante as empresas farmacêuticas e nos levando a perceber o quão importante é avaliar a responsabilidade delas perante os consumidores a partir da introdução de tais produtos no mercado.

Na sequência temos trabalhos desenvolvidos por oito pesquisadores participantes do nosso grupo. Os mestres Thaise Maria Neves Duarte Pacheco, Thiago Schlottfeldt Nascimento Da Cas, Ana Paula Carvalho Salomone, Amanda Büttenbender Medeiros e Arthur Künzel Salomão; os mestrandos Luiza Severnini Sima e Márcio Pasqualli Afonso e, o graduando Eduardo Corso.

Thaise Maria Neves Duarte Pacheco desenvolve o tema das contratações virtuais no âmbito do sistema financeiro nacional e o papel do coronavírus como grande propulsor do processo de digitalização bancária. Destaca a autora que o aumento das contratações online decorrentes das medidas impostas para o distanciamento social também atingiu os bancos, acelerando a digitalização bancária que já vinha se formatando há algum tempo. Examina então a pesquisadora os benefícios e desafios desta digitalização frente aos direitos dos consumidores, pondo em destaque a vulnerabilidade agravada do consumidor frente à contratação digital e a necessidade de adoção de práticas que garantam o respeito à legislação de consumo.

Thiago Schlottfeldt Nascimento Da Cas traz à baila uma contração que muito se fez presente durante a pandemia: o crédito consignado. Salienta o pesquisador que muitas vezes tal contratação pode ser resultado de um verdadeiro assédio ao consumo, que faz com que os consumidores cada vez adquiram mais produtos e serviços, tendo assim de buscar acesso ao crédito para o cumprimento de suas obrigações. Assim, põe o autor em discussão as perspectivas e desafios que a fase pós-pandêmica trará frente os inúmeros contratos de crédito consignados constituídos.

Ana Paula Carvalho Salomone volta-se para a análise da Lei n. 14.046/2020 que estabeleceu regras para o setor de turismo e eventos tão afetados no período da pandemia. Analise a autora os reflexos de tal normativa no Direito do Consumidor e as perspectivas sobre o cumprimento dos contratos envolvendo os setores de cultura, turismo e eventos no período pós-pandemia.

Amanda Büttenbender Medeiros traz um interessante estudo em torno da atual regulamentação do transporte aéreo a qual sofreu importante alteração em virtude dos efeitos da pandemia no setor. Destaca inicialmente que com o avanço da pandemia da Covid-19 e as restrições impostas pelo Governo a demanda por voos domésticos e internacional apresentaram redução considerável, o que fez com que fosse editada Medida Provisória objetivando minimizar os prejuízos patrimoniais gerados às empresas. Tal medida converteu-se na Lei nº 14.034/2020 a qual estabeleceu regras de reembolso, como de concessão de crédito do valor de passagens adquiridas para voos a serem realizados entre o período de 19 de março de 2020 a 31 de dezembro de 2021, ou ainda de oferta ao consumidor, sempre que possível, de acomodação em outro voo, próprio ou de terceiros. Destaca a autora em seu trabalho as repercussões negativas que a legislação trouxe aos direitos dos consumidores, salientando que apesar de inequivocamente a tutela dos interesses das empresas aéreas ser importante para a economia e da mesma forma para o transporte dos consumidores, acabaram as alternativas trazidas pela normativa indo ao encontro de direitos básicos constantes do Código de Defesa do Consumidor brasileiro.

A análise sobre as repercussões jurídicas da adoção do sistema de vacinação contra a COVID-19 no Brasil e a responsabilidade civil por danos futuros resultantes do chamado risco de desenvolvimento foi o tema escolhido pelos pesquisadores Arthur Künzel Salomão e Luiza Severnini Sima. Desenvolvem os autores a questão envolvendo o denominado risco de desenvolvimento e analisam a legislação brasileira resultante das exigências impostas pelas empresas farmacêuticas para fornecerem os imunizantes ao país.

Márcio Pasqualli Afonso desenvolveu um tema que atualmente ocupa posição de destaque no direito do consumidor brasileiro. Trata-se da recente legislação aprovada, Lei nº 14.181/2021, a qual trouxe inclusões de regras importantes ao Código de Defesa do Consumidor, pois dispõe sobre a prevenção e tratamento do superendividamento do consumidor. Tal legislação teve uma longa tramitação no Congresso Nacional, mas as dificuldades econômicas que atingiram os consumidores durante a pandemia acabaram por impulsionar a aprovação da lei que, como destaca o autor em seu ensaio, impôs novas regras que em muito complementam a disciplina direcionada as relações de consumo no Brasil.

Por fim, um tema também que muito se discutiu desde o início da pandemia no Brasil foi a questão da majoração excessiva e imprevisível que certos índices de correção monetária sofreram em nosso país como consequência das dificuldades econômicas geradas pela pandemia. Tal tema vem enfrentado pelos pesquisadores Arthur Künzel Salomão e Eduardo Corso, os quais analisam não só os fundamentos para a construção dos índices, como também os posicionamentos dos tribunais frente a matéria.

Como se poderá verificar da leitura deste livro, apesar de ser inequívoco que situações imprevisíveis sempre impactaram e continuarão a impactar a sociedade de consumo, os efeitos deixados pela pandemia foram os mais intensos identificados desde a entrada em vigor do microssistema consumerista. Sendo assim imperioso que o intérprete ao se deparar com lides de consumo resultantes da herança deixada pela pandemia aplique as normas com muita cautela, para assim propiciar decisões que não derroguem direitos tão importantes reconhecidos pelo Código de Defesa do Consumidor brasileiro.

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Publicado

28 julho 2022